“As Aves Não Têm Céu”, ou terão?

Nem todos os escritores são devidamente reconhecidos como famosos ou grandes sucessos, até porque são novos no mercado ou recentemente iniciaram a sua carreira. Tal é o caso de Ricardo Mota, escritor do recente livro lançado pela Porto Editora no ano de 2020, já conta com duas publicações literárias e com o prémio revelação Agustina Bessa-Luís. Prémio esse, ganho no passado ano 2015, com o seu primeiro manuscrito "Fredo".

Ricardo Fonseca Mota nasceu no ano de 1987 e é autor da obra "As Aves Não Têm Céu".
"As Aves Não Têm Céu" é um livro avassalador, tanto ao nível sentimental como ao nível verídico. A obra conta com uma história principal e várias histórias secundárias.
Mantendo o autor sempre o foco na história principal e, complementando o livro com as histórias secundárias, descreve a vida do seu personagem principal, Leto, recentemente divorciado partilhando a guarda da filha, ainda criança, com a sua ex mulher.
A história vai ao encontro deste homem e à vida que lhe é ingrata e injusta. Tudo começa com um acidente, a trágica situação que lhe tirou a vida à filha poupando somente o pai.
"Tudo isto em pouco segundos, mas dentro do carro as eternidades apagavam-se com fulgor umas atrás das outras, e cada segundo acontecia muito lentamente."
Depois desta experiência, Leto começa a cair no desespero, em depressão e todos os sentimentos advindos da perda de uma filha ainda criança.
O autor, Ricardo Mota, é o principal recriador de todo o momento, descrevendo-o o mais detalhadamente possível. Enquanto isso, apela aos sentimentos do leitor, através das palavras e dos momentos mais marcantes da vida do personagem principal.
"As mãos frias para sempre e os olhos cheios de cinzas, ainda quentes. Mais uma noite em claro"
Conta igualmente todo o tipo de angústias que o pai passa enquanto tenta superar, sem sucesso, a morte da filha. Começa pela família que lhe nega a confiança e a proximidade, eleva-se aos sentimentos da ex-mulher e marca-lhe a vida, desprovido de amizades.
O trauma vai crescendo, ao que o autor trabalha o psicológico da personagem, começando por se sentir só até ao desejo de se suicidar.
"Se der um tiro na cabeça será que oiço o barulho da arma a cair no chão?"
É a partir dos erros que construímos as nossas vivências, mas e se as experiências fossem negativas como as de Leto, o personagem principal da história, seriamos capazes de nos erguer sozinhos? Ou ficaríamos loucos como o próprio?
O autor trabalha nesta linha de pensamentos e realidades que decorrem no quotidiano. São vidas canceladas pelas más experiências. Traumas que instigam a depressão e a solidão.
"Não me sinto bem. Achas que me consegues ajudar? Sim, agora é a minha vez. Queixo-me a quem? O que faço aqui a falar para uma cadeira vazia? Será que ainda aqui estou? Ninguém que me veja. Para onde foram todos?"
Ao ler "As Aves Não Têm Asas" é nos possível interpretar sentimentos adversos que a própria vida oferece a quem não tem possibilidades de alterar o destino que o espera.
Nem todos os seres humanos têm a chance de viver uma vida descansada e desprovida de experiências negativas, sob as quais não podemos atuar.
Ricardo Fonseca Mota mostra-nos, através do seu mais recente livro, formas de entendermos o mundo que nos rodeia, em especial, seres humanos cuja sorte não lhes foi doada. Casos como Leto, personagem do livro, existem no quotidiano e precisam de ajuda. Se cada um de nós despender de alguns minutos para ouvir uma pessoa com este tipo de problema, somos capazes de trabalhar para um mundo melhor.
"Pai, a sensação de que já não sou criança. As vossas caras desde esse dia desviadas da minha. As vossas vozes ainda as oiço, mas a minha tornou-se indiferente para vocês. Pai, não tenho sono, já posso acordar? Porque estavas a dormir na minha festa? A esta hora, o busto farto de fazer caretas e a árvore a desviar-se da janela. Não vês? Acho que ficavas melhor se também te fizessem uma festa. Pai, pai? Não te preocupes, o sapato agora não me está a fazer assim tanta falta."