Escrever: um modo de vida

A proliferação literária não é uma realidade substancialmente crescente como deveria de ser. Existem ainda muitos talentos escondidos, sendo que a maioria dos jovens, atualmente, refugia-se numa das plataformas de escrita online mais conhecidas na comunidade literária, o wattpad.
Desde sempre que a literatura se considerou não só como cultura, mas também como refúgio. Apesar de existir uma percentagem baixa no que respeita aos hábitos de leitura, ainda se encontram jovens com a audácia de ler e, até mesmo, escrever.
Segundo as estatísticas apuradas pelo Gabinete de Estratégia, Planeamento e Avaliação Culturais (GEPAC), em 2011 registou-se a nível nacional, uma das mais baixas taxas de leitores entre os países europeus. Apurou-se que a maioria da população portuguesa não leu um único livro nos 12 meses anterior ao questionário. Além disso, entre aqueles que o fizeram, regista-se a faixa etária entre os 25 e os 34 anos, maioritariamente do sexo feminino.
Atualmente, ler um livro tornou-se um ato audaz e, com ele, apenas quem partilha a paixão literária e, porventura, a paixão pela escrita, são aqueles que a praticam.
Escrever Online.
É nas plataformas de escrita online, como o Wattpad, que encontramos a maioria dos jovens escritores que passam a palavras para o virtual e partilham com os demais leitores. Além disso, existe uma comunidade dentro da plataforma que conversa entre si e participa em prémios, não remunerados, apenas para belo prazer.
Entre os escritores que participam na plataforma, conversamos com Sara Castro, portadora dos seus 19 anos e natural do Porto, confere que descobriu o wattpad "Por volta dos meus 11/12 anos de uma forma completamente aleatória enquanto via coisas sobre uma boy band internacional", e que, a partir daí, começou a ler e a escrever na plataforma, acrescentando "Desde sempre senti um «bichinho» que despertava o desejo de escrever, Então pensei «porque não?» e aventurei-me naquela plataforma.", conclui.
Por outro lado, Inês Aguiar, aos 18 anos e igualmente, de nacionalidade portuguesa, concretiza que "Sempre gostei de escrever e tive uma professora que me encorajava. Então, um dia, decidi levar isto de escrever mais a sério e fiz um projeto sobre uma história", comenta e refere qual a razão pela qual continuou "Tinha uma colega que me viu tão feliz e empenhada a escrever que me disse que havia uma plataforma onde podia partilhar aquele pequeno mundo que estava a criar.", finaliza.
A participante não só como leitora, mas também como escritora, confessa que sempre preferiu ler a escrever, porém "acabo sempre desmotivada e sempre com ideias pra novas histórias e não para acabar a história do momento.", opina.
Já Luciana Marujo, aos 19 anos e igualmente natural do Porto, confere que descobriu o wattpad "através de uma amiga" e que adorou logo "de caras". A par dessa descoberta, acrescenta ainda que "Sinto que o meu amor pela escrita e pela leitura é leitura é mútua. Quando era mais pequena, passava os dias a ler aqueles pequenos livros que vinha nos jornais", relembra.

Cláudia Amaral, de 23 anos e natural de Matosinhos, já foi,
inclusive, uma das escritoras da plataforma mais aclamadas entre os leitores de
língua portuguesa, atingindo os três milhões de leituras no ano de 2013.
Entretanto, acabou por apagar a fanfic por considerar que "estava
muito mal estruturada e com um conteúdo muito imaturo, então decidi
reescrevê-la novamente".
Para a jovem, o wattpad foi descoberto da mesma forma que algumas das outras entrevistadas, através de uma amiga "que na altura escrevia e gostava que eu acompanhasse as histórias dela!", refere.
Por ser uma leitora ávida, acabou por ceder ao estímulo da plataforma para escrever, comentado "Ler é maravilhoso, devido ao facto de fazer a minha mente viajar, mas escrever é ainda melhor, porque é quando me sinto inteiramente dentro da minha própria imaginação.", conclui.
Júlia Andrade é natural do Brasil, mais precisamente de Mato Grosso do Sul e, aos 20 anos, conta que descobriu o wattpad "Quando tinha 12 para 13 anos, entrei de cabeça no mundo da leitura, por causa de um livro que minha tia escreveu.", e acrescenta que "Queria muito ler mais, mas não podia comprar muitos livros... tanto pelo preço, como pelo fato de que demoraria muito para chegar", uma vez que na cidade onde reside, não existem livrarias. A par disso, resolveu registar-se na plataforma e começar a descobrir novas leituras e a contribuir para a existência de mais histórias.
A jovem brasileira conta que é de épocas, ou seja, "tem época que estou muito mais para a escrita e tem momentos que quero apenas ler ou ver uma série.", opina.
Ler ou escrever?
Entre ler e escrever existe sempre uma incógnita, isto é, deve primeiro ler-se para, posteriormente escrever. As ideias advêm do conhecimento adquirido por parte do escritor e, se o próprio lê e investiga sobre o assunto, é provável que obtenha uma história devidamente elaborada.
Para Magda Filipe, com 19 anos e natural de Braga, descreve a sua experiência durante o período que vivenciou na plataforma "Naquela altura eu escrevia porque era o hábito, quando era pequena lia todos os dias à noite antes de dormir, mas quando comecei a ler durante o dia, guardei o bocadinho da noite para escrever", expõe.
A par de Magda, Micaela Francisco, aos 22 anos e natural de Leiria, comenta que "Eu escrevo mais por desporto, além de que as histórias que eu escrevo são coisas que me vêm à cabeça, tenho sempre novas ideias a surgir e, por isso, tenho alguma dificuldade em acabar as histórias. Daí preferir o wattpad porque não tenho, propriamente, um deadline", conta.
Quando confrontadas com a questão do "Porquê escrever sem que exista uma remuneração?", Sara Castro rapidamente se propõe a responder à questão co "A resposta é simples: é porque gosto. Nem sempre temos de produzir algo de forma a ganhar dinheiro, temos que produzir algo que nos dê gosto e, de facto, o wattpad é um sítio onde posso libertar a mente e escrever.", opina.
Já para Claúdia, a opinião difere parcialmente, "Eu escrevo por mero hobby, numa plataforma pública, porque gosto de avaliar até que ponto atinjo o meu público alvo. Honestamente, ainda não pensei em rentabilizar os meus livros, mas em breve, quem sabe...", aufere.
Júlia Andrade tem uma opinião centrada na incerteza, uma vez que é exigente consigo própria e, de certa forma, tenta ainda enfrentar os próprios receios, "A principio, comecei a escrever em uma plataforma não rentável por acreditar que as pessoas não gostariam de ler um dos meus trabalhos, porque primeiro sempre fui muito autocrítica comigo e sabia que tinha muito a melhorar.", descreve e acrescenta que a sua entrada na faculdade foi também um dos fatores que contribuíram para a própria deixar os projetos literários um pouco de lado.
Qual a experiência que a plataforma
oferece?
Na opinião de Sara Castro, a experiência proporcionada pela plataforma confere aos leitores e escritores uma boa opção para referência e partilha de conteúdos, comentando "Pelo ponto de vista de leitora, é fascinante! Histórias diferentes a custo zero, partilhas emocionais entre escritor e leitor; é igualmente ótimo para apoiar "pequenos talentos", e acrescenta, pelo ponto de vista de escritora, o que pensa "Enquanto escritora é igualmente bom, mas acresce alguma responsabilidade e ficamos com medo de entrar em bloqueio porque realmente queremos estar à altura e ao ritmo da internet.", concretiza.
Ao mesmo tempo, Luciana Marujo partilha um pouco da sua experiência enquanto participante na comunidade do wattpad "Quando entrei, percebi logo que estava no sítio certo. Comecei por escrever uma história que há muito estava planeada e que, agora, está no fim. Agradeço por ter conhecido esta plataforma, pois sem ela, eu não conseguira mostrar ao mundo o meu trabalho.", finaliza.
Através do olhar de Inês Aguiar, a opinião não diverge, considerando que "Eu gosto de escrever e ler aqui, é bom poder ler e ver os comentários de outras pessoas e perceber que não sou a única que sentiu determinada coisa sobre tal personagem ou determinada situação da trama.", e acresce "Creio que os comentários nas histórias são um bom elo de comunicação entre escritor e leitor. Também é importar realçar que, como em todo o lado, há sempre pessoas que gostam de criticar de forma pejorativa e aí sim, se calhar não é a melhor forma de comunicação.", refere.

Para Cláudia, o wattpad é uma plataforma que vai alterando os seus métodos de avaliação de histórias e as audiências, vão aumentando ou caindo consoante os gostos e celebridades presentes na época, isto é, no caso das fanfics, histórias baseadas em celebridades. Claúdia entende que "Não só nas minhas histórias, mas nas histórias de outros escritores, notava que os leitores eram muito mais presentes, que incentivavam imenso e o apoio deles era incansável.", porém, considera que atualmente, essa interação foi-se perdendo.
Não obstante, Júlia Andrade refere que, na plataforma, já teve chatices com os comentários dos leitores, referindo "não escolheram uma boa forma de comentarem crísticas construtivas. Mesmo assim, sempre respondia de forma educada e nunca me deixei abalar."
Quais os planos para o futuro de um leitor/escritor indomável?
Sob o ponto de vista de Micaela, o lançamento da sua obra para o mercado literário não é uma opção que se apresenta próxima. A própria é capaz de referir que "Neste momento, estou a acabar a minha licenciatura e a escrita teve que ficar um pouco de lado e, provavelmente, ainda vai continuar durante mais algum tempo. Mas quem sabe um dia, eu consiga publicar."
A par desta opinião, encontramos Magda Filipe, que está igualmente a licenciar-se e entende que de momento a finalização de uma história não acontece num futuro próximo, manifestando "Estou numa fase que não consigo terminar nada do que escrevo. Começo a escrever, farto-me e não quero mais. Mas, futuramente, gostava imenso de publicar um livro, aliás, é um sonho meu."
Não obstante, Inês Aguiar considera não querer publicar um livro, pelo menos para já, justificando-se "Eu gosto de escrever e tenho constantemente ideias, mas nunca acabei um projeto de escrita. No entanto, eu aponto todas as ideias num bloco e ando a pegar em ideias antigas e a encaminhá-las. Por isso, se conseguir concretizar os meus planos, eu gostaria de ver um livro meu publicado que tivesse sido escrito no wattpad antes." e finaliza, "Sinto que, dessa forma, encorajaria mais pessoas a escrever aqui e mostrava que todos têm hipóteses de ter as suas histórias numa livraria."