Neil Gaiman, escritor de livros infantis para jovens adultos


"A estranha vida de Nobody Owens", por Neil GaimanNeil Gaiman, um escritor de renome. Um homem dedicado aos contos infantojuvenis. Cada conto, um lado macabro e sombrio, é assim que o autor trabalha nos seus livros.
O autor que nos conquista através do protagonista é também capaz de, no momento seguinte, nos prender para uma possível morte - da maneira mais feroz possível.
O desespero de devorar o próximo capítulo à procura de uma explicação para o que aconteceu no anterior... Isto é Neil Gaiman.
"Fary tales are more than true: not because they tell us that dragons exist, but because thay tell us that dragons can be beaten." ¹No livro "A Estranha Vida de Nobody Owens", o autor relata isso mesmo. A imensa vontade que um assassino tem de matar uma família indefesa. Aquela que, para ele, tinha assuntos por resolver.
E assim começa esta história. Certa noite, o assassino entra pela casa de uma família e mata, de forma audaz, três pessoas imprescindíveis à vida de um pequeno bebé: os pais e a irmã.
O menino, ao ouvir os barulhos pela casa e já capaz de andar, salta do seu berço e, sem que o assassino se aperceba, caminha silencioso e desajeitadamente para o exterior da casa, em direção ao cemitério.
Durante o tempo que o pequeno toma para se afastar de casa, o assassino procura-o, não o encontrando em lugar algum e perseguindo o bebé através do seu faro apurado. Note-se que este assassino não é um humano, ninguém sabe quem ele é.Já no cemitério, o pequeno bebé é acolhido por um casal de fantasmas, apelidados por Sr. e Sr.ª Owens, um casal que em vida, nunca tivera filhos.
"- A mãe do rapazinho entregou-mo - afirmou a Sra. Owens, em tom de quem pensa que está tudo dito."
"Minha boa mulher..." (diz o Sr. Owens)
"Não sou a sua boa mulher - declarou a Sra. Owens, pondo-se de pé. - Para dizer a verdade, nem sequer sei por que estou aqui, a falar com um bando de broncos inúteis, quando este rapazito não tardará a acordar cheio de fome. E onde irei encontrar comida para ele neste cemitério, isso é o que eu queria saber."
A procura incessante do assassino de nome Jack, chama a atenção a Silas, um dos guardiões do cemitério, que o trava a tempo de encontrar o bebé, mentindo-lhe do seu paradeiro.
Neste instante, Jack abandona o cemitério. O bebé não só é acolhido pelos Owens, como também passa a ser conhecido no cemitério como "o rapaz vivo", e todos o procuram proteger, principalmente Silas, que seu autonomeia seu tutor por nem ser fantasma, nem ser homem.
A história, escrita por Gaiman acompanha o crescimento do pequeno Nobody e conta ao leitor de todas as aventuras do menino e do facto de ter sido "o escolhido" para ter o dom do cemitério. É uma obra, na teórica, elaborada para os mais pequenos, porém os acontecimentos que decorrem ao longo da história podem ser, em ocasiões, considerados exagerados, no sentido em que a escrita é detalhada, profunda e em certos momentos, macabra.
Do género infantojuvenil, esta obra é capaz de misturar a realidade com a fantasia e manter o leitor sempre a par dos dois mundos: o dos vivos e o dos mortos.
"- Tens amigos aqui? - inquiriu."
"- Não estás a perceber - retorquiu Bod. - Vocês têm de parar com isto. Parem de se comportar como se as outras pessoas não tivessem importância. Parem de magoar os outros."
A estranha vida de Nobody Owens é capaz de abordar a morte de uma forma subtil e controversa, refletindo sobre a importância da vida e da morte. Percebemos isso a certa altura, numa conversa entre o menino e o seu tutor, que entendemos precisamente a linha finíssima que separa a vida da morte. Silas alerta o menino para não se aventurar de forma drástica pelo facto de poder, eventualmente, morrer demasiado novo; no entanto, Nobody responde que não se importaria, pelo facto de todas as pessoas com que ele se preocupa, já estarem mortas.
"- E depois? É só morrer. Quer dizer, todos os meus melhores amigos estão mortos.
- Pois estão. - Silas hesitou. - Estão sim. E a maior parte deles já rompeu com o mundo. Tu não. Tu estás vivo, Bod. Isso significa que tens potencial infinito. Podes fazer qualquer coisa, construir qualquer coisa, sonhar qualquer coisa. Se mudares o mundo, o mundo mudará. Potencial. Quando morreres, isso desaparece."
É nesta dicotomia que o autor trabalha (a vida e a morte), a efemeridade do momento, da vida e do quão preciosa ela pode ser. Após a conversa entre os dois, Silas contrasta a opinião do menino, fazendo-o perceber que os vivos podem mudar o mundo, ou pelo menos tentar deixar uma marca de que ali estiveram e tentaram melhorar determinadas situações; enquanto que os mortos, já tiveram a sua chance e ali permaneciam, para o seu eterno descanso.
A leitura do livro é fluida, raramente complexa nos seus detalhes. Gaiman não é um autor dedicado a livros para crianças com pensamento leve, mas sim, um autor que foca sobre os maiores dilemas do ser humano, transformando-os em personagens, procurando contar uma história que vá explicando, neste caso, ao pequeno Nobody (às crianças) a dicotomia principal do livro.
Em suma, "A estranha vida de Nobody Owens" é indicado pelo plano nacional de leitura português, por ser precisamente um livro que transmite uma história um tanto complexa que prende o leitor desde a primeira à última página com a ânsia de acompanhar o protagonista desde bebé, até ao momento em que enfrenta os maiores desafios da vida.
"Eu disse / Ela partiu / Mas eu estou vivo, estou vivo, / Venho agora ao cemitério / Embalar-te com uma canção"Gaiman é um autor destacado, não só por este livro, mas como por outros igualmente reconhecidos pela sua boa escrita, perspicácia e detalhe. Alguns exemplos são: "Coraline", adaptado posteriormente para filme, assim como "American Gods" posteriormente adaptado para uma série televisiva transmitida pela emissora Starz.

¹ "Contos de fadas são mais do que a verdade: não porque eles nos contam que os dragões existem, mas porque nos contam que os dragões podem ser derrotados."