O peso da realidade em “Viagem ao Fim do Coração”

A vida é efémera, mostra-nos o lado bom dela e, no piscar de um olhar, desaba. Lidar com esse tipo de problema costuma ser como lutar contra uma parede impenetrável, uma força que se move contra nós e nos estingue as forças sobrantes. Luísa foi vítima da vida. Vítima da família que lhe foi destinada, da escola que lhe foi negada, da criança que nos braços lhes foi deixada.

O livro "Viagem ao fim do coração" foi publicado por Ana Casaca, escritora e roteirista de telenovelas, no ano de 2014. Foi guionista da telenovela emitida pela TVI no ano de 2002 "Filha do Mar", onde iniciou a sua carreira. Atualmente já participou, como roteirista e guionista, nas telenovelas "Baía das Mulheres", "Tu e Eu", "Podia Acabar o Mundo", "Rosa Fogo" e "Bem Vindos a Beirais".
Além da sua participação dos guiões das telenovelas, é nos livros que o talento da autora se reflete de igual forma, sendo autora não só de "Viagem ao Fim do Coração" (2014) como também de "Todas as Palavras de Amor" (2013) e "A Vontade do Regresso" (2002).

É no enredo de "Viagem ao Fim do Coração" que a autora envolve o leitor na história de Luísa, uma menina de nove anos que vive num lar desagradável, encontrando-se no seio de uma família conflituosa, quer por parte do pai, quer por parte da mãe. De acordo com os pais da menina, personagem principal da história, Luísa era a causa dos seus "problemas" - justificando-se assim a atitude violenta do pai, acompanhada pelo vício do álcool.
A vida de Luísa, nos primeiros momentos, é nos introduzida desta mesma forma, sendo considerada fruto de uma gravidez indesejada e precoce. Pela culpa que foi logo à partida introduzida na menina, as funções domésticas foram, desde logo, proporcionadas à própria filha do casal.
Com o tempo, e através dos pensares dos pais de Luísa, o enredo atravessa uma das fases mais marcantes do livro, o nascimento de Pedro. O segundo filho do casal, logo à priori considerado a "salvação" da família e solução dos problemas existentes.
"Espero que não sejas daqueles que choram. O pai não suporta choro e a mãe fica muito nervosa quando ouve algum barulho mais forte. Eu já aprendi a não chorar há muito tempo, se quiseres, ensino-te."
Através desta narrativa, Ana Casaca retrata a vida de famílias carentes, não só de cultura e educação, como também de mentalidade. Esta é uma realidade existente diariamente, com a qual convivemos e, ainda assim, não damos conta do quão injusta a vida de uma criança inocente pode ser.
No seguimento da narrativa, é nos apresentado o recém-nascido Pedro, inicialmente tomado como "a salvação", porém, pouco tempo depois, a razão pela qual tudo voltou a desabar. A mãe de Luísa percebeu que nada ia transformar a própria vida e abandona os filhos à sua sorte - contando que Luísa cuidasse do irmão ainda bebé.
"A minha mãe deixou-nos, sem se despedir e sem dizer porque é que ia.
A minha mãe deixou-nos, porque estava farta. Farta de nós, farta de mim.
A minha mãe deixou-nos, porque nós não fizemos com que ela quisesse ficar.
A minha mãe deixou-nos, e essa era a única frase que arranjava espaço para ser dita dentro de mim."
É a partir deste momento que a vida de Luísa se transforma, não por vontade própria, mas sim pelo sentimento de obrigação e dever como irmã. O momento de saída de casa marca Luísa, com o irmão ao colo e em fugindo do pai violento que possui; para que a vida dos dois se iniciasse pacificamente e sem qualquer tipo de violência ou opressão, Luísa começa a trabalhar para sustentar a si e ao irmão por conta própria.
"A culpa é toda nossa, bebé"
Uma história de romance que retrata o amor de uma irmã, não só assumindo o seu papel de nascença, mas também o papel de mãe que nem ela própria usufruiu. A autora vai tocando em pontos essenciais da realidade que as famílias mais pobres atravessam e as lutas constantes que várias crianças se vêm obrigadas a ultrapassar.
Por outro lado, é da natureza de Ana Casaca escrever romances, seja para os livros, seja para as telenovelas, sendo que "Filha do Mar", é uma história que repousa sobre o amor e o desencontro. Por outro lado, "Rosa Fogo" retrata uma vida cheia de amor e esperança e até mesmo "Bem-vindos a Beirais" é uma telenovela que se baseia na vida quotidiana dos beiralenses, retratando as várias facetas entre vizinhos, famílias e amigos.
A escrita da autora é simples e de fácil interpretação, procurando essencialmente captar a atenção do leitor para os momentos de maior relevância na narrativa, de forma a incentivar o autor a compreender as várias comparações que são feitas com a realidade. O quotidiano demonstra ser o meio de inspiração da autora, pela forma como escreve e os temas relevantes que aborda, transmitindo ao leitor realidades atuais, de forma a envolver o leitor na narrativa para o próprio sinta na pele o "peso" dos acontecimentos.