Uma ave sem limites - entrevista a Ricardo Fonseca Mota

23-03-2020

O livro "As Aves Não Têm Céu" foi escrito por Ricardo Fonseca Mota, autor de três livros e homem premiado com o "Agustina Bessa Luís". Além de escrever, exerce igualmente a sua profissão como psicólogo, talvez por essa razão lhe seja tão fácil aconchegar o leitor no leito dos seus escritos um tanto apelativos à sensibilidade e às aprendizagens obrigatórias da vida.

"Foi o que foi", as primeiras palavras do livro "As Aves Não Têm Céu" e, provavelmente, a forma mais simples de cada um justificar acontecimentos indesejados. Ricardo Fonseca Mota escreve sobre isso mesmo, situações desesperadoras, sentimentos profundos e talvez esquecidos, outros deles, um tanto difíceis de esquecer.

Ricardo Fonseca Mota | Fonte: "As Aves Não Têm Céu" (livro)
Ricardo Fonseca Mota | Fonte: "As Aves Não Têm Céu" (livro)


Natural de Sintra, aos trinta e dois anos Ricardo Mota vive em Tábua, uma vila pertencente ao distrito de Coimbra, onde "cresceu", de acordo com as palavras do autor, acrescentado que "É a minha única extravagância, esta de viver no interior geográfico e espiritual.", conta.


Questionamos o escritor relativamente às suas vivências, sendo que o próprio enuncia desde logo os pais, "Devo-o aos meus pais que me ensinaram a nunca desistir de fazer perguntas" e na linha dos agradecimentos, acrescenta "Tive a sorte de me cruzar com bons professores. Entre eles um professor de português poeta, um professor de educação física admirador de Amália e uma professora na Universidade de Coimbra mestre de criatividade e encontro.", concretiza.

Já o gosto pela literatura, esse não surgiu desde o berço, pelo contrário, o autor admirou, primordialmente, a música e, posteriormente, as belas artes. Não tardou para se encontrar com o teatro e, com ele, a literatura.

Assim sendo, o próprio enuncia "Hoje compreendo que sempre me interessou comunicar e fi-lo das mais diversas maneiras até descobrir que é na literatura onde me movimento com maior destreza e profundidade.", confirma.

As decisões não se tomam de um momento para o outro e é por essa mesma razão que o autor não esquece "Não se tratou de uma decisão propriamente dita. Desde muito jovem que escrevo. Comecei por fazê-lo com o propósito hedonista de me encantar com os artifícios das palavras.", claro que, posteriormente, aquando a sua passagem pela universidade, os sentimentos aprofundaram-se em relação à escrita "(...) senti pela primeira vez a necessidade contar. Escrevi então textos para diferentes publicações e em colaboração com outros artistas. Escrevi sobretudo para o teatro.", menciona.

Por outro lado, é precisamente nesta fase que Ricardo Mota relaciona os vários acontecimentos com a literatura, momento de deglutição imparável "Nesta fase já era um leitor compulsivo e quanto mais lia, mais me apetecia escrever para dialogar com o leitor. No fim do mestrado decidi então trabalhar a minha prosa e foi assim que nasceu o meu primeiro romance "Fredo", confirmando que, na altura, tinha cerca de vinte e dois anos.

Atualmente, o escritor profundamente apaixonado pelas sensações e sentimentos, considera que a inspiração, para o próprio, não existe "A minha única inspiração resulta exatamente do relaxamento do diafragma e da consequente insuflação dos pulmões.", desafiando que, para tudo o que alcançou, o trabalho é a única forma de alcançar o propósito. 

O autor realça "Tudo o que há é um trabalho muito sério e sistemático de observação, acompanhado de estudo e investigação. Sobre ele, há um exercício perpétuo de aperfeiçoamento da escrita e dos seus mecanismos. A nossa capacidade de imersão e compromisso com esta tarefa não é linear."

Embora o autor refira que tudo o que deve ser escrito deve ter uma base de investigação e trabalho aprofundado, Mota não retira o valor que a inspiração concentra "Se é verdade que por vezes nos escapa, é igualmente verdade que às vezes se apresenta com uma potência vulgar. Julgo que são estes os momentos que vulgarmente descrevemos como inspiração. Trata-se, no fundo, de uma disponibilidade intelectual, espiritual e relacional para uma tarefa. A tarefa de criar. Inspira-me, portanto, tudo o que vejo, tudo o que sinto, tudo o que leio, tudo o que não gosto.", completa.

É desde logo visível que Ricardo Fonseca Mota não é autor de criações tão simples, sendo que as palavras que utiliza são deveras fundamentadas e todas elas têm um propósito para existirem. Ora, por isso, ler obras deste autor obrigam a uma concentração particular, não pela construção frásica ou complexidade de ideias, mas sim, pelo pesar das palavras utilizadas e pelo propósito que todas possuem. 

Uma outra ideia que o escritor pretende transmitir é precisamente a facilidade de contacto com os seus leitores, certificando-se que "Hoje posso relacionar-me com menos timidez, mas com intocável humildade. Interessa-me muito conhecer os livros que dos meus livros nasceram. Não me posso queixar. Os leitores quando me abordam fazem-no de forma calorosa, mas ternurenta. Há um enorme respeito mútuo.", declara.

E desta forma, o autor mantém o contacto com todos, sobretudo online, através das suas redes sociais. É igualmente capaz de partilhar as suas experiências, entrevistas, leituras, excertos dos seus próprios livros, acompanhando os seus leitores de forma mútua.

No ano de 2015, Ricardo Fonseca Mota foi premiado com "Revelação Agustina Bessa-Luís", prémio esse que considera parte de si, declarando "De que vale termos uma boa história para contar senão temos a quem contá-la? Sou imensamente grato por merecer figurar na lista de vencedores do Prémio Literário Revelação Bessa-Luís. Devo muito ao júri e aos restantes vencedores porque todos contribuem para o prestígio da distinção.", confirma humildemente.

Num futuro próximo, procuramos obter informações sobre os próximos lançamentos, ao que Fonseca Mota defende "Irei continuar a escrever, certamente. Faz parte da minha existência, sou um observador e um criador. Trabalho muito para continuar a merecer leitores. O tempo o dirá.", finaliza.

Os livros de Ricardo Fonseca Mota e os propósitos do autor:

"Se o primeiro é um exercício externo, de observação e estudo, o segundo, lançado pela Porto Editora, que acaba de apresentado nas Correntes d'Escritas, nasce de um epicentro mais próximo do meu. Não tem relação direta com a minha vida pessoal, mas está localizado próximo da minha intimidade. Posso dizer que demorei trinta e dois anos a escrevê-lo. Se o primeiro aborda temas como a solidão, o envelhecimento, a memória, tendo como pano de fundo o século XX, em particular a Segunda Guerra e os refugiados, neste "As aves não têm céu" encontramos temas universais como a morte, as relações humanas, o amor, a memória e a forma como elas nos definem e fragmentam. Todas as personagens movimentam-se em zonas de transição oferecendo uma leitura que nos obriga a refletir sobre a artificialidade dos muros e dos limites. É um romance que expõe o sentido plural da realidade e a sua impossibilidade." - Ricardo Fonseca Mota

"As Aves Não Têm Céu" e "Frodo", livros da autoria de Ricardo Fonseca Mota
"As Aves Não Têm Céu" e "Frodo", livros da autoria de Ricardo Fonseca Mota
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